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Beth Ditto é do tipo que precisa de barulho. Gosta de cidades onde as línguas se misturam nas calçadas, de lugares em que o caos não se disfarça. Depois de sair de Portland e viver a experiência de cidades grandes como Londres, onde estava ao falar com BAZAAR, a vocalista do Gossip parece ter encontrado equilíbrio. E é com essa energia que ela volta ao Brasil como uma das atrações do C6 Fest, no dia 24 deste mês, em São Paulo. No palco, reencontra os fãs – e os parceiros de banda que há tempos não dividiam o estúdio com ela. O reencontro se transformou no álbum Real Power, lançado no ano passado, e que marca a volta da banda à cena depois de mais de uma década sem um novo trabalho.
Durante a pandemia, tudo parecia apontar para um disco solo de Beth. Ela mesma conta que o novo álbum começou assim, tímido, introspectivo, isolado como o mundo lá fora. “Mas eu sentia falta do Nathan”, diz, sobre o guitarrista de sobrenome Howdeshell, amigo de infância e cofundador do trio. “A gente tem uma linguagem própria. Quando ele chegou no estúdio, tudo fluiu. Foi como se nada tivesse mudado.”
Dentro do repertório, destaca Turn the Card Slowly como uma faixa especialmente pessoal. “Acho que é o tipo de música que só entenderei totalmente depois de dez ou vinte anos”, reflete. “Às vezes, você só percebe muito tempo depois do que estava realmente falando.” Beth não fala com pressa. Escolhe bem as palavras, mas sem perder o tom divertido de sempre. “É só uma banda. Não estamos aqui operando cérebros”, dispara, antes de cair na risada. Mas logo retoma: “O importante é tirar aquilo de dentro. Às vezes, a gente faz dez músicas e só duas prestam. E está tudo certo.”
Sua segurança vem do corpo, da estrada, da escuta. Beth sabe o que move sua arte. E o que não a move também. Vinda da cena punk americana dos anos 2000, ela mantém intacta a recusa em jogar o jogo da indústria, como dancinhas no TikTok e cortes feitos para viralizar nas plataformas digitais. “Cresci sem dinheiro, em uma família grande. Nunca me interessei por fama ou grana. Quero ser feliz fazendo o que eu amo. Se não for para ser assim, melhor arrumar um emprego das nove às cinco”, diverte-se. O que poderia soar como provocação vira filosofia de vida na voz dela. No estúdio, não é diferente. Gosta de gravar com poucos equipamentos, microfone ligado e verdade no volume máximo. “Preciso estar inteira no que estou sentindo. Não sei fingir. Se estou em um dia ruim, eu digo. Se não estou no clima, não forço.” Seu processo criativo é indomável. “Não ter método virou meu método.”
Com o Gossip de volta aos palcos, Beth também retoma algo que sempre esteve presente no grupo: o ativismo como parte da sua jornada. “A mudança leva tempo. É uma m…, mas é real. E o ativismo na internet me cansou. Tive que me afastar. Como é que a gente quer mudar o mundo em uma plataforma feita para viciar as pessoas?”, pergunta, sem disfarçar o incômodo. Prefere o contato real, o olho no olho, o riso compartilhado sem selfie no final. “Às vezes, tudo o que a gente precisa é estar ali com os amigos, conversando. Sem postar.” Em casa, o cenário é outro, mas o espírito é o mesmo.
Seu sofá, como ela contou à Bazaar França recentemente, é o seu lugar favorito no mundo. “Sou muito caseira. Minha ideia de férias é ficar no sofá”, pontua. Mas basta pisar no palco para confirmar que seu senso de urgência fala mais alto. Sobre o Brasil, não poupa elogios: “Os fãs brasileiros são insanos. No melhor sentido. Talvez só a Coreia do Sul chegue perto em termos de energia”. Ri de si mesma ao imaginar o figurino para o show em São Paulo: “Vou começar de jaqueta e terminar só de roupa íntima”, brinca, ao ser informada que a capital paulista reúne todas as estações em um único dia. Entre uma fala e outra, surgem referências: Grace Jones, Nina Simone, Debbie Harry, Yoko Ono. Mas também nomes do agora: Lola Young, Doechii, GloRilla. “A gente tem que prestar atenção no presente, mas nunca esquecer o passado.” Talvez aí esteja a força de Beth: ela nunca está exatamente onde se espera. Segue entre o grito e o riso, entre o caos da cidade e a paz do sofá. No fim das contas, e e a paz do sofá. No fim das contas, Beth Ditto é barulho – do bom. Sua força motriz é existir para resistir, e isso não se cria na inércia.