Giorgio Armani – Foto: Divulgação
Há nomes que constroem marcas. E há aqueles que constroem ideias. Giorgio Armani pertence a essa segunda linhagem. Ao completar 91 anos neste 11 de julho de 2025, o estilista italiano permanece como uma presença viva, lendária e insubstituível na moda — um arquiteto da elegância que redefiniu a relação entre corpo, roupa, poder e silêncio.
Poucos criadores influenciaram tanto a maneira como nos vestimos — e como pensamos a roupa. Armani não apenas transformou a estética da moda; ele moldou comportamentos, ressignificou códigos sociais e suavizou a rigidez dos cortes tradicionais com uma leveza que virou filosofia. Seus ternos maleáveis libertaram os homens das armaduras formais do passado. Suas alfaiatarias femininas, nos anos 1980, representaram a extensão do empoderamento profissional e emocional das mulheres. E sua alta costura feminina, sem vestígios de romantismo ingênuo — podem ser vista como sonhos convertidos em realidade.
Nascido em Piacenza, no norte da Itália, em 1934, Armani cresceu entre a austeridade do pós-guerra e a delicadeza dos gestos cotidianos. A mãe costurava, o avô fazia perucas para o teatro, e ele e o irmão montavam marionetes — um primeiro exercício de proporção, forma e expressão. Flertou com a medicina, cursou dois anos, serviu no exército, mas logo descobriu que sua vocação estava no corte, na luz e na silhueta.

Giorgio Armani – Foto: Divulgação
Aos 41 anos, em 1975, fundou sua marca ao lado do parceiro e companheiro Sergio Galeotti, vendendo seu Fusca azul para financiar o projeto. Três anos depois, o mundo conheceria uma nova forma de vestir através do filme “Gigolô Americano” (1980), com Richard Gere trajando seus ternos desestruturados, elegantes e sensuais. Nascia ali o conceito de soft tailoring — menos rígido, mais fluido e mais humano.
Logo, essa revolução chegaria ao guarda-roupa feminino. A mulher executiva dos anos 80 encontrou nos tailleurs de Armani uma nova armadura: firme, mas sem perder feminilidade. Não era uma roupa masculina para mulheres — era uma linguagem inédita de poder e sofisticação.
Diferente dos estilistas que apostam na excentricidade ou no choque, Armani ergueu seu império sobre uma estética atemporal, silenciosa e discreta. Sua paleta — cinzas, beges, azul-marinho, preto e areia — rejeita o óbvio. As linhas são limpas, os cortes exatos. O tecido guia a construção da roupa, jamais o contrário. Sua filosofia é direta e duradoura: “A elegância não é se destacar, é ser lembrado.”

Giorgio Armani – Foto: Divulgação
Mais do que roupas, Armani criou um universo: da alta-costura do Armani Privé aos perfumes, passando pela linha urbana Armani Exchange, a Armani Casa, restaurantes, hotéis e até iates. Tudo reflete seu olhar luxuoso, funcional e profundamente sofisticado.
Atualmente, a Giorgio Armani S.p.A. é uma das raras casas de moda ainda independentes. Enquanto grandes nomes foram absorvidos por conglomerados como LVMH e Kering, Armani manteve a autonomia. É o único acionista da própria empresa. Em 2023, o grupo faturou aproximadamente €2,5 bilhões, com quase 3.000 lojas em 60 países. Sua fortuna pessoal gira entre US$ 11 e 13 bilhões.
Mesmo com esse poder, leva uma vida disciplinada. Acorda cedo, faz exercícios, toma café com frutas e torradas, veste-se sempre do mesmo jeito: camiseta azul-marinho, parka leve, tênis branco. Detesta ostentação. É apaixonado por luz natural, Hitchcock, Leonard Cohen, jornais impressos e por navegar nos iates Mariù e Maìn. Vive com seus gatos, Mairì e Angel. E, com sinceridade surpreendente, revelou já ter experimentado LSD na juventude — “rimos como loucos”.

Giorgio Armani – Foto: Divulgação
Ao longo de cinco décadas, Armani vestiu mais de 200 produções cinematográficas — de “Os Intocáveis” a “O Lobo de Wall Street” — e se consagrou como o estilista do tapete vermelho contemporâneo, responsável pelo visual de ícones como Cate Blanchett, Beyoncé, Diane Keaton, Julia Roberts e Leonardo DiCaprio.
Também desenhou uniformes para a polícia de Milão, aeromoças, taxistas, e foi o primeiro estilista a transmitir um desfile online, em 2007. Defensor da moda responsável, proibiu o uso de modelos com IMC abaixo de 18 em seus desfiles a partir de 2006.
Durante a pandemia, foi pioneiro ao fechar suas lojas na Itália, suspender desfiles em Milão e doar €1,25 milhão para hospitais. Aproveitou o momento para escrever um manifesto contra a lógica acelerada da moda, defendendo um novo ritmo de criação. Desde 2002, atua também como embaixador da ONU para refugiados.

Giorgio Armani – Foto: Divulgação
Em 2025, pela primeira vez, Giorgio Armani não esteve presente fisicamente nos bastidores dos desfiles em Milão e Paris, fato que levantou especulações sobre uma transição gradual de comando — ainda não oficializada. A ausência foi discreta, mas simbólica. Sua fundação, criada em 2016, garante que, mesmo após sua morte, a marca seguirá fiel a seus princípios.
Mas quem conhece Armani sabe: mesmo distante, nada acontece sem sua aprovação — das coleções à iluminação da passarela. Seu perfeccionismo é meticuloso, quase arquitetônico. Sua obsessão por coerência é o que mantém sua marca sólida há cinco décadas.

Giorgio Armani – Foto: Divulgação
Giorgio Armani é mais do que um nome: é uma forma de ver o mundo. Um conceito de luxo, um exemplo de integridade e um defensor da elegância como ferramenta de expressão silenciosa. Ele nos ensinou que o verdadeiro poder é sutil. Que não é preciso gritar para ser notado. Que o bom design respeita quem o usa. E que, em um tempo saturado de estímulos, a contenção pode ser o gesto mais radical de todos.
Aos 91, Armani permanece como um mestre do tempo e da forma. Um homem que moldou gerações sem nunca perder a essência. E que, mais do que um estilista, tornou-se um ícone cultural da elegância moderna — discreta, precisa e inabalável.